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sábado, 15 de outubro de 2016

Eu e Descartes estamos unha e carne!!

Virar agnóstica foi um passo no meu amadurecimento. Hoje, DUVIDAR é a palavra chave da minha vida. Não faço por birra como alguns podem pensar, nem mesmo me impeço de ter algumas certezas, mas adotei pra mim o princípio científico da hipótese.

Acho que estou na fase em que Descartes estava quando escreveu “Meditações”. Ele se considerava suficientemente maduro para duvidar de todas as “verdades” que compunham as suas crenças. Mas, embora tenha contribuído de forma sem precedentes para a ciência, propondo MÉTODOS científicos para alcançar verdades, o livro é um pouco decepcionante nas “verdades” que ele alcança com o próprio método.

Por mais brilhante que tenha sido a elucidação do princípio da dúvida, penso que Descartes o fez, sem realmente duvidar de suas crenças arraigadas. Esse trecho mostra isso:

essas antigas e ordinárias opiniões ainda me voltam amiúde ao pensamento, dando-lhes a longa e familiar convivência que tiveram comigo o direito de ocupar meu espírito mau grado meu e de tornarem-se quase que senhoras de minha crença. E jamais perderei o costume de aquiescer a isso e de confiar nelas, enquanto as considerar como são efetivamente, ou seja, como duvidosas de alguma maneira, como acabamos de mostrar, e todavia muito prováveis, de sorte que se tem muito mais razão em acreditar nelas do que em negá-las. Eis por que penso que me utilizarei delas mais prudentemente se, tomando partido contrário, empregar todos os meus cuidados em enganar-me a mim mesmo, fingindo que todos esses pensamentos são falsos e imaginários” (ao colocar suas antigas crenças em dúvida, ele já pressupôs estar se enganando sobre sua falsidade)

Tenho a impressão que ele mesmo vislumbrou esta falha, mas não necessariamente a bloqueou no decorrer dos trabalhos:

assim como um escravo que gozava de uma liberdade imaginária, quando começa a suspeitar de que sua liberdade é apenas um sonho, teme ser despertado e conspira com essas ilusões agradáveis para ser mais longamente enganado, assim eu reincido insensivelmente por mim mesmo em minhas antigas opiniões e evito despertar dessa sonolência, de medo de que as vigílias laboriosas que se sucederiam à tranqüilidade de tal repouso, em vez de me propiciarem alguma luz ou alguma clareza no conhecimento da verdade, não fossem suficientes para esclarecer as trevas das dificuldades que acabam de ser agitadas.

A primeira dúvida e, consequentemente, a primeira certeza de Descartes é de que ele existe. Afinal, mesmo que tudo (inclusive ele mesmo) seja produto de uma farsa (interessante que ele inventa um espírito maligno para ser autor da farsa – claramente fruto do criacionismo nele arraigado), mesmo sendo produto da farsa, esse produto está pensando sobre isso e, portanto, existe.

Depois, ele passa a duvidar da existência da alma. Sentado na beira do fogo, derrete uma cera e percebe que ela muda completamente ao paladar, odor, olfato, visão, mas não nega que ela permanece.

Afirma que o sol existe de duas formas para ele. Primeiro como uma coisa pequena que ele visualiza e, segundo como uma coisa maior que a Terra, no saber da astronomia. Conclui que as duas ideias do sol não podem ser verdadeiras, sendo que a visão aparente é a menos semelhante à verdade. (enaltece a razão sobre a experimentação e começa a embasar a sua IDEIA de Deus)

Conclui que o nada não poderia produzir coisa alguma. Afirma que ainda que de uma ideia possa decorrer outra ideia, isso não pode se estender ao infinito, sendo necessário chegar a uma primeira ideia (não se deve perguntar de onde veio deus?).

Conclui que, sendo ele um ser finito, ao imaginar um ser infinito, só pode significar que essa ideia foi colocada nele por um ser infinito, afinal, sendo finito ele não conseguiria produzir a ideia de infinito sozinho. Diz mais ou menos: “como seria possível que eu pudesse reconhecer que sou imperfeito, se não tivesse em mim a ideia de um ser mais perfeito que eu”.

Talvez o lapso de sabedoria venha logo em seguida: “é possível também que todas as perfeições que eu atribuo a Deus estejam de algum modo em mim em potência...com efeito, já percebo que meu conhecimento aumenta e se aperfeiçoa pouco a pouco e nada vejo que o possa impedir de aumentar cada vez mais até o infinito.

Afirma, então, mais ou menos “por que a ideia que tenho de um ser mais perfeito que o meu deva necessariamente ter sido colocada em mim por um ser que seja de fato mais perfeito?

Então ele tenta imaginar de onde poderia ter vindo, sem ser de Deus. De si mesmo? Se fosse esse o caso, ele seria o próprio deus e não colocaria tantas dúvidas em sua própria mente.

Afirma que não sente nenhum poder em si mesmo de criar-se como já é, de sorte que depende de algum ser diferente dele para existir.

Continua refletindo que “não se pode fingir também que talvez, muitas causas juntas tenham concorrido em parte para me produzir...de sorte que todas essas perfeições se encontram na verdade em alguma parte do Universo, mas não se acham todas juntas e reunidas em uma só que seja Deus”.

MAS reverte falando que “a unidade” é uma das principais perfeições que concebe em Deus e,  essa ideia de todas as perfeições juntas  só pode ter sido colocada na sua mente por uma perfeição única. (o raciocínio bastante imperfeito faz jus à sua declarada imperfeição rs)

“Meditações” foi publicada em 1641, quando inexistiam as observações de Darwin sobre a evolução, pois somente em 1859 houve a publicação da primeira edição de “Origem das Espécies”.

Assim, Descartes não tinha muitas informações para refletir, além das próprias crenças que lhe foram passadas, vindas da bíblia. Hoje, embora tenhamos a evolução como uma verdade científica, temos mais liberdade intelectual para refletir sobre outras interferências na nossa existência (vide “Eram os Deuses Astronautas?” RS)


O fato é que Descartes contribuiu muito para o pensamento científico e, lendo seu livro me identifiquei demais com a fase em que ele estava vivendo, a deliciosa fase de duvidar de tudo e refazer conceitos... claro que espero  não cair na mesma armadilha que ele, ao simplesmente utilizar-se da dúvida para reafirmar as próprias crenças... rs