Virar
agnóstica foi um passo no meu amadurecimento. Hoje, DUVIDAR é a palavra chave
da minha vida. Não faço por birra como alguns podem pensar, nem mesmo me impeço
de ter algumas certezas, mas adotei pra mim o princípio científico da hipótese.
Acho
que estou na fase em que Descartes estava quando escreveu “Meditações”. Ele se
considerava suficientemente maduro para duvidar de todas as “verdades” que
compunham as suas crenças. Mas, embora tenha contribuído de forma sem
precedentes para a ciência, propondo MÉTODOS científicos para alcançar
verdades, o livro é um pouco decepcionante nas “verdades” que ele alcança com o
próprio método.
Por
mais brilhante que tenha sido a elucidação do princípio da dúvida, penso que
Descartes o fez, sem realmente duvidar de suas crenças arraigadas. Esse trecho
mostra isso:
“essas
antigas e ordinárias opiniões ainda me voltam amiúde ao pensamento, dando-lhes a longa e familiar convivência
que tiveram comigo o direito de ocupar meu espírito mau grado meu e de
tornarem-se quase que senhoras de minha
crença. E jamais perderei o costume de aquiescer a isso e de confiar nelas,
enquanto as considerar como são efetivamente, ou seja, como duvidosas de alguma
maneira, como acabamos de mostrar, e todavia
muito prováveis, de sorte que se tem muito mais razão em acreditar nelas do que
em negá-las. Eis por que penso que
me utilizarei delas mais prudentemente se, tomando partido contrário,
empregar todos os meus cuidados em enganar-me a mim mesmo, fingindo
que todos esses pensamentos são falsos e imaginários” (ao
colocar suas antigas crenças em dúvida, ele já pressupôs estar se enganando
sobre sua falsidade)
Tenho
a impressão que ele mesmo vislumbrou esta falha, mas não necessariamente a bloqueou
no decorrer dos trabalhos:
“assim como um escravo que gozava de uma
liberdade imaginária, quando começa a suspeitar de que sua liberdade é apenas
um sonho, teme ser despertado e conspira com essas ilusões agradáveis para ser
mais longamente enganado, assim eu reincido insensivelmente por mim mesmo em
minhas antigas opiniões e evito despertar dessa sonolência, de medo de que as
vigílias laboriosas que se sucederiam à tranqüilidade de tal repouso, em vez de
me propiciarem alguma luz ou alguma clareza no conhecimento da verdade, não
fossem suficientes para esclarecer as trevas das dificuldades que acabam de ser
agitadas.”
A
primeira dúvida e, consequentemente, a primeira certeza de Descartes é de que
ele existe. Afinal, mesmo que tudo (inclusive ele mesmo) seja produto de uma
farsa (interessante que ele inventa um espírito maligno para ser autor da farsa
– claramente fruto do criacionismo nele arraigado), mesmo sendo produto da
farsa, esse produto está pensando sobre isso e, portanto, existe.
Depois,
ele passa a duvidar da existência da alma. Sentado na beira do fogo, derrete
uma cera e percebe que ela muda completamente ao paladar, odor, olfato, visão,
mas não nega que ela permanece.
Afirma
que o sol existe de duas formas para ele. Primeiro como uma coisa pequena que ele
visualiza e, segundo como uma coisa maior que a Terra, no saber da astronomia.
Conclui que as duas ideias do sol não podem ser verdadeiras, sendo que a visão
aparente é a menos semelhante à verdade. (enaltece a razão sobre a
experimentação e começa a embasar a sua IDEIA de Deus)
Conclui
que o nada não poderia produzir coisa alguma. Afirma que ainda que de uma ideia
possa decorrer outra ideia, isso não pode se estender ao infinito, sendo
necessário chegar a uma primeira ideia (não se deve perguntar de onde veio deus?).
Conclui
que, sendo ele um ser finito, ao imaginar um ser infinito, só pode significar
que essa ideia foi colocada nele por um ser infinito, afinal, sendo finito ele
não conseguiria produzir a ideia de infinito sozinho. Diz mais ou menos: “como
seria possível que eu pudesse reconhecer que sou imperfeito, se não tivesse em
mim a ideia de um ser mais perfeito que eu”.
Talvez
o lapso de sabedoria venha logo em seguida: “é
possível também que todas as perfeições que eu atribuo a Deus estejam de algum modo
em mim em potência...com efeito, já percebo que meu conhecimento aumenta e se
aperfeiçoa pouco a pouco e nada vejo que o possa impedir de aumentar cada vez
mais até o infinito.”
Afirma,
então, mais ou menos “por que a ideia que
tenho de um ser mais perfeito que o meu deva necessariamente ter sido colocada
em mim por um ser que seja de fato mais perfeito?”
Então
ele tenta imaginar de onde poderia ter vindo, sem ser de Deus. De si mesmo? Se
fosse esse o caso, ele seria o próprio deus e não colocaria tantas dúvidas em
sua própria mente.
Afirma
que não sente nenhum poder em si mesmo de criar-se como já é, de sorte que
depende de algum ser diferente dele para existir.
Continua
refletindo que “não se pode fingir também
que talvez, muitas causas juntas tenham concorrido em parte para me
produzir...de sorte que todas essas perfeições se encontram na verdade em
alguma parte do Universo, mas não se acham todas juntas e reunidas em uma só
que seja Deus”.
MAS
reverte falando que “a unidade” é uma das principais perfeições que concebe em
Deus e, essa ideia de todas as
perfeições juntas só pode ter sido
colocada na sua mente por uma perfeição única. (o raciocínio bastante imperfeito
faz jus à sua declarada imperfeição rs)
“Meditações”
foi publicada em 1641, quando inexistiam as observações de Darwin sobre a
evolução, pois somente em 1859 houve a publicação da primeira edição de “Origem
das Espécies”.
Assim,
Descartes não tinha muitas informações para refletir, além das próprias crenças
que lhe foram passadas, vindas da bíblia. Hoje, embora tenhamos a evolução como
uma verdade científica, temos mais liberdade intelectual para refletir sobre outras interferências na nossa
existência (vide “Eram os Deuses Astronautas?” RS)
O
fato é que Descartes contribuiu muito para o pensamento científico e, lendo seu
livro me identifiquei demais com a fase em que ele estava vivendo, a deliciosa
fase de duvidar de tudo e refazer conceitos... claro que espero não cair na mesma armadilha que ele, ao
simplesmente utilizar-se da dúvida para reafirmar as próprias crenças... rs
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