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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Terrorismo religioso


O terrorismo motivado pela religião tornou-se um problema global. O terrorismo religioso (…) cresceu de modo a desafiar a estabilidade política nacional e internacional durante os anos 90 e no começo dos anos 2000. A frequência dos ataques sectários e as suas vítimas cresceram rapidamente durante este período. (…) A violência religiosa continuará a ser um aspecto central do terrorismo do século XXI. Os terroristas religiosos tornaram-se também adeptos do recrutamento de novos elementos, organizando-se em células semi-autónomas através de fronteiras nacionais, (…) e atacando consistentemente alvos que simbolizam os interesses inimigos. (…) Contrariamente às acções relativamente cirúrgicas dos esquerdistas seculares dos anos anteriores, os terroristas religiosos provaram ser particularmente mortíferos (...) Esta espécie de letalidade tornou-se um elemento central do terrorismo religioso internacional.
Gus Martin (California State University), Understanding Terrorism , 2003, p. 389.

De fato, paralelamente aos veementes apelos à paz e à fraternidade e à superação moral do Homem, a origem da violência religiosa (pelo menos simbólica) reside nas próprias raízes da super-estrutura religiosa e do seu imaginário, particularmente nas imagens de morte que estão no cerne das religiões (Juergensmeyer). Assim, a violência existente em muitos textos religiosos é indesmentível e mesmo a história de algumas religiões está semeada de episódios violentos, desde o seu início, incluindo “mandatos divinos de destruição” (M.J.).

Desde logo, importa recordar as teorias clássicas de:

- Émile Durkheim (Formes élémentaires de la vie religieuse, 1912), a separação entre o sagrado e profano.
- Rudolf Otto (O Sagrado, 1917), o “numinoso”, o “totalmente outro”, a ambivalência do sagrado, “tremendo e fascinante”.
- Freud: pulsão de vida e pulsão de morte; eros e tanathos.
- Mary Douglas (Purity and Danger, 1966), o puro e o impuro, poluição e “tabu”; anomalias e abominações.

E as teorias mais recentes de:

- René Girard (La Violence et le Sacré, 1972), da “violência (recíproca indiferenciada) mimética” ao “mecanismo (purificador e pacificador) da vítima expiatória ou emissária” (“que está na origem da sociedade, da cultura e da religião”); a morte sacralisadora (“por ser morta, é que a vítima é sagrada”); o rito religioso como comemoração simbólica dessa violência fundadora, “visando acalmar a violência e impedi-la de se desencadear”; o sacrifício e os ritos sacrificiais; a violência sacrificial; sangue e ritos sangrentos; bodas e realeza sagradas: a morte do Rei (“o rei é sagrado porque vai ser morto”) - Ver também o artigo de Alfredo Teixeira “Violência e Cultura” in Religião e Violência, Peter Stilwell e outros, Universidade Católica Portuguesa, 2002.
- Maurice Bloch (Prey into hunter, 1992/La Violence du Religieux, 1997), “núcleo do processo ritual”, a “estrutura mínima fundamental dos rituais” (“quase-universal”), em três fases: 1ª. violência) “a dicotomização interior ao participante”; 2ª. violência) “é dada ao iniciado a parte transcendente da sua identidade a qual passa a dominar ao longo da sua vida”; 3ª. violência) a “violência de retorno” (que está na origem da violência religiosa), isto é, “o consumo agressivo de uma vitalidade adquirida, que é diferente daquela que foi perdida à partida”; iniciação: da morte para a vida: “inversão do processo natural”.
2) Religiões históricas e violência nas três religiões do Livro (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) o Hinduísmo, etc. (cf. dir. Anand Nayak, Religions et violences, 2000).

- A violência pode nascer em “religiões duras” – opostas às religiões “doces”, em que existe um harmoniosa articulação entre as esferas divina, humana e natural - ou nas facetas “duras” das religiões, a saber, naquelas em que a submissão à autoridade divina é mais forte, conduzindo à repressão, ao proselitismo e à segregação (estabelecendo a distinção entre “eleitos” e “malditos”). As formas religiosas que têm um Deus transcendente parecem conduzir mais à violência do que aquelas que apresentam um Deus imanente.

- “A doutrina religiosa pode estar na origem de violência, pois ao ser uma origem de salvação, ela dispensa verdades, que pela sua natureza se apresentam como absolutas e universais, às quais se acrescentam leis e obrigações que regulam a prática religiosa. Por vezes, se a doutrina pode conduzir à paz e ao amor, a prática pode conduzir à discriminação e à violência, tal como a institucionalização da religiões e as relações de poder a ela associadas.

- “A relação do poder com a religião pode dar origem à violência, até porque os símbolos religiosos, se podem conduzir à paz e à harmonia, são também extremamente poderosos no suscita do ódio e da violência – o poder dos símbolos (religiosos).

Textos religiosos (das “grandes religiões”)

- Judaísmo: a Tora (o Antigo Testamento):
Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé (Deut. 19, 21), Mas as vidas destes povos que o Senhor te dá como herança são as únicas onde tu não deixarás subsistir nenhum ser vivo (Deut., 20, 15-18),

- Cristianismo: o Antigo Testamento e, também, o Novo Testamento, pe., Cristo não traz a paz, mas o fogo e a espada (Lucas, 12, 49), a expulsão violeta dos vendilhões do Templo (Marcos, 11, 15-17). Acrescento a Batalha de Jericó em que Josué grita ao povo: “O senhor vos tem dado a cidade...Toda a prata, o ouro e os vasos de metal e de ferro são consagrados ao senhor. E tudo quanto havia na cidade destruíram totalmente ao fio da espada, desde o homem até a mulher”. (Ainda se esse episódio ficasse esquecido no meio de tantos outros que os próprios cristãos se envergonham da bíblia, mas a verdade é que essa conquista de Jericó é exaltada e cantada em todas as escolas dominicais batistas, para crianças aprenderem desde cedo a GUERREAR pelo senhor...)

- Islamismo: o Corão, a “jihad”, Combatei no caminho de Deus os que lutam contra vós …Deu não ama os transgressores. Matai-os sempre que os encontreis… Se eles vos combaterem, matai-os: tal é a retribuição dos incrédulos (II, 190-191), malditos (os hipócritas) onde quer que se encontrem, eles serão capturados e mortos segundo o costume de Deus…(XXIII, 60-62).

- Hinduísmo: os sacrifícios védicos e as guerras do Mahabarhata.

- Fundamentalismo: é reativo à modernidade e utiliza seletivamente os textos religiosos – que considera terem uma origem divina e, logo, inquestionáveis – que sejam apropriados ao combate contra a modernidade. Além disso, os grupos fundamentalistas definem o mundo de uma maneira dicotómica ou “maniqueísta”: as coisas e as pessoas, são boas ou más, verdadeiras ou falsas, luminosas e obscuras, puras ou impuras, fiéis ou infiéis, etc., etc. Os fundamentalistas definem-se a si próprios como participantes numa luta sem compromisso para defender os primeiros contra os segundos.

Para os terroristas religiosos, eles estão participando numa “guerra cósmica” (M.J.), um confronto escatológico entre as forças do Bem e do Mal que exige o martírio e o sacrifício dos seus atores. A religião é um meio privilegiado como agente de honra – que vinga a dignidade (religiosa, política, social, nacional, económca, etc.) e afirma a identidade, passando simbolicamente da humilhação à afirmação identitária absoluta, sagrada (cf. o “eu sagrado chamânico” de Jacob Pandian, Culture, religion and the sacred self, 1991) - e também de legitimação da resistência, da luta, da guerra – que é tremenda e fascinante.

O fundamentalismo é (não apenas, mas também, dizemos nós) um produto da frustração (com a falta de perspectivas), da humilhação e das condições retrógradas e existem muitas forças sociais e políticas no mundo islâmico determinadas a fazer progressos no sentido de reduzir ou talvez mesmo erradicar o fundamentalismo.

Bibliografia
- James e Brenda Lutz, in Global Terrorism, Routldge, London, 2004
- Leonard Weinberg, Ami Pedazuhr eds., Religious Fundamentalism and Political Extremism, Frank Cass, London, 2004
- Dawn Perlmutter, Investigating Religious Terrorism and Ritualistic Crimes, 2004, - - - - Bruce Lincoln, Holy terrors, 2003
- Jessica Stern, Terror in the name of god, 2003
- Jean Baudrillard, The spirit of terrorism, 2002
- Mark Juergensmeyer, Terror in the mind of God, 2000
- Hélder Santos Costa, O Martírio no Islão, 2003,
- Bernard Lewis, The crisis of Islam: holy war and unholy terror, 2003,
- John Esposito, Unholy War: terror in the name of Islam, 2002,
- Olivier Roy, L’Islam mondalisé, 2002,
- Yonah Alexander, Michael Swetnam, Usama bin Laden’s al-Qaida, 2001,
- Ahmed Rashid, Os Taliban, 2001,
- Gilles Kepel, Jihad, expansion et déclin de l’islamisme, 2000,
- Bernard Lewis, The Assassins,1967
- Ehud Sprinzak, Brother against brother, 1999,
- Aviezer Ravitzky, Messianism, Zionism and Religious Radicalism, 1993
- Jeffrey Kaplan, Radical Religion in America, 1997,
- Michael Barkun, Religion and the Racist Right, 1997
- Thomas Robbins e Philip Lucas eds., New Religious Movements in the 21st Century, 2004,
- David Bromley and J. Gordon Melton, Cults, Religion and Violence, 2002,
- Catherine Wessinger, How the Millenium comes violently, 2000,
- John Hall, Apocalypse Observed, 2000,
- Catherine Wessinger, Millenium, Persecution and Violence, 2000,
- Thomas Robins e Susan Palmer, Millenium, Messiahs and Mayhem, 1997
- Gilles Kepel La revanche de Dieu, 1991
- Gus Martin, Understanding Terrorism , 2003
- Mark Juergensmeyer ed. Violence and the Sacred in the modern world, 1992
- dir. Anand Nayak, Religions et violences, 2000

Texto retirado do blog http://www.joseanes.com/

“Como cada nova geração de crianças aprende que as proposições religiosas não precisam ser justificadas, como todas as outras precisam, ainda está sitiada pelo exército dos irracionais. Estamos agora mesmo nos matando, por causa de literatura da Antiguidade. Quem imaginaria que uma coisa tão tragicamente absurda seria possível?” DEUS- Um delírio - Richard Dawkins

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