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quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Chile de Valdívia



Para quem nunca teve a experiência de conviver com um chileno ou, melhor ainda, de visitar o Chile, conto minha experiência pessoal sobre isso.

Meu professor de espanhol era chileno. Até começar a balbuciar “yo y tu” com ele, eu sequer lembrava que o Chile existia (era só uma tripinha esticada no lado esquerdo do mapa). No decorrer daqueles 2 anos que convivi semanalmente com esse professor (casado com uma brasileira e vivendo no Brasil há alguns bons anos), fiquei com vontade de entender porque seus olhos brilhavam quando falava em sua terra natal. Seu jeito de se comunicar era muito parecido com o jeito do Valdivia (chileno que está na moda agora)... um jeito que a princípio (especialmente para brasileiros) pode ser confundido com ingenuidade ou inocência, mas que no fundo trata-se de confiança na bondade e no discernimento alheios. Parece uma pessoa que está sempre esperando ser tratado da mesma forma que trata os demais, com educação e consideração. E isso nos assusta e intriga, pois nós brasileiros estamos acostumados a esperar sempre por um “puxão no tapete” ou alguma desonestidade “normal”.

Depois de um ano guardando dinheiro, fomos eu e o namorido visitar a tripinha! Nossa primeira viagem internacional. Tivemos várias surpresas muito boas! Primeiro que aquela viagem foi programada como um mochilão autêntico... colocamos as malas nas rodinhas (melhor que nas costas!), mapa nas mãos e fomos em frente! Viajamos de Santiago a Viña del Mar (cidade praiana do Chile) de ônibus e após sair da rodoviária, ficamos vagando com nossas malas pelas ruas, procurando por algum posto turístico que informasse onde poderíamos passar a noite.

Claro que estávamos apreensivos por caminhar em ruas desconhecidas, com todo nosso dinheiro e roupas à mostra... de repente, um casal nos aborda na calçada e pergunta se somos estrangeiros... nosso primeiro instinto foi dar um passo para trás e garantir uma distância segura do casal intrometido. Com cara de desconfiados respondemos “Sim, somos brasileiros”. A senhora perguntou, então, se tínhamos onde ficar. Mais uma vez, imaginamos que aquilo deveria ser um golpe comum contra turistas e ela provavelmente ofereceria algum “moquifo” de bandidos que conhecia, onde poderíamos ser roubados com mais tranqüilidade (fora das vistas do pessoal da rua)... eu disse, já com cara feia, “não, ainda não temos onde ficar, mas vamos perguntar no posto turístico”. Ela sorriu e desandou a falar, em seu espanhol corrido, onde ficava o posto turístico mais próximo, onde existiam restaurantes bons e baratos para comermos, como poderíamos pegar o ônibus circular para chegar à praia, quais regiões hoteleiras eram mais confiáveis, etc, etc... a certa altura, seu marido que a tudo assistia calado, percebeu minha surpresa com tantas informações GRATUITAS e disse à sua amável esposa “Querida, mais devagar, fale mais devagar para que eles entendam perfeitamente!”.. ela se desculpou e continuou nos guiando “más despacio!”.

Depois de agradecer muito àquele casal e virarmos as costas, eu e o namorido abrimos um sorriso imenso e nos sentimos bem por estarmos no Chile! Que povo simpático!!

Resolvemos que a primeira dica que seguiríamos daquela senhora seria como chegar na praia! O hotel poderia esperar, a sede por praia era maior! Fomos com mala e tudo!
No ônibus lotado, um moço foi rápido em ceder seu lugar pra mim e minhas malas a tiracolo... descemos na desejada praia e só então, meio constrangidos, percebemos que teríamos que encontrar um lugar para deixar a bagagem...

Com minha cara de pau de viajante, perguntei ao salva vidas se poderia olhar, só por alguns minutos, nossas malas para que pudéssemos colocar os pés na água... ele abriu um sorriso enorme e disse que não nos preocupássemos, poderíamos deixar as malas junto do seu posto e caminhar pela praia o quanto quiséssemos... elas estariam seguras.

Mais uma vez, desconfiei da bondade do salva vidas... mas já que nós mesmos tínhamos nos colocado naquela situação, resolvi confiar um pouco.

Eis que caminhamos, molhamos os pés na água (friiiia), tomamos uma água no quiosque (água com gás – única que achamos no Chile inteiro!!! E não água de côco, pois era um “absurdo” procurá-la na praia, TALVEZ encontrássemos no supermercado – conforme a dica da própria dona do quiosque !!!!! – no Chile eles comem doce na praia e não água de côco! rs) então, fizemos de tudo naquela praia e quando voltamos, as malas estavam exatamente onde deixamos, sob os olhos atentos do salva vidas (e malas!).

Eita país de gente boa e educada!!!

Conclusão- voltamos eu e o namorido apaixonados pelo Chile e pelos chilenos! Lembro que no próximo jogo entre Brasil e Chile, torci para dar empate! Eles mereciam! RS
Por isso, entendo perfeitamente a vontade do Valdivia de voltar pra sua terra natal e, ainda, seu desgosto em permanecer no Brasil... o texto que segue foi escrito por um jornalista e retrata com precisão as diferenças que pude viver na própria pele e que às vezes, me deixam com vergonha de ser brasileira...


O CHILE DE VALDÍVIA

“É preciso um olhar atento e sensível para entender a revolta e o sentimento de desespero do jogador Valdivia e de sua família, após o crime do qual o casal foi vítima, no fim de semana, e que o faz até pensar em abandonar o contrato e uma promissora carreira como atleta do elenco do Palmeiras.
Valdivia é chileno e foi criado em um ambiente onde o crime não compensa. O Chile é um dos países com menor índice de criminalidade do planeta, mais precisamente o terceiro melhor lugar do mundo para se viver sem o medo de ser assaltado, perdendo apenas para a Jordânia e o Chipre.
No Chile de Valdivia, não se joga lixo pelo chão e as pessoas só admitem parar de estudar quando completam pelo menos um curso superior e uma especialização.
No Brasil, nos acostumamos com arrastões que acontecem com freqüência nas praias, em prédios e em restaurantes localizados (pasmem!) nas redondezas das delegacias, numa clara demonstração da audácia e da sensação de impunidade dos ladrões.
A educação que se prolifera pelo Chile proporciona benefícios ainda maiores do que a limpeza que se verifica pelas ruas. Além de não ser um refém automático do crime, o chileno confia na polícia e esta tem ao seu dispor os mais modernos equipamentos tecnológicos para combater os eventuais incautos.
Por cá, temos ruas que são tão mal iluminadas que deveriam conter placas informativas sobre a probabilidade de que algum crime aconteça, como até um vereador de Guarujá chegou a sugerir certa feita. Temos câmeras bisbilhotando pelas cidades inteiras, mas suas imagens costumam ser mais utilizadas quando os crimes ganham destaque na mídia.
Há alguns dias, a polícia conseguiu montar os passos da esposa que esquartejou um empresário, graças às câmeras instaladas em toda a sua trajetória.
Foi com base nas imagens destas câmeras, também, que o bandido que tanto assustou Valdivia foi identificado e preso pela polícia paulista.
O homem comum clama por um pacto, entre aqueles que coletam o dinheiro de nossos impostos, para que o crime não compense também por aqui. O temor de ser furtado e perder o que se acumulou, da noite para o dia, é o pior dos pesadelos.
Portanto, na impossibilidade de nos mudarmos, todos, para o Chile de Valdivia, devemos arregaçar as mangas e nos engajar para forjar nestas terras o Brasil que queremos.”

(Texto publicado no Diário do Litoral – 14/06/2012 por Valdir Dias)

Eu, namorido (atual marido) e as malas em Viña del Mar - Chile.

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